A árvore da vida é o nosso poder ancestral

A árvore da vida é o nosso poder ancestral
Foto: National Geographic

“O Baobá é a continuidade do elo ancestral africano, ainda que recriado em terras canárias. É ancestralidade em forma de árvore, mas não de uma árvore qualquer. O Baobá apresenta uma enorme imponência, advinda de suas características singulares e tão abundantes, em termos de água, alimentos, medicinas, artefatos, sombra, resistência, tamanho, longevidade e muitas outras. O Baobá faz o elo entre ancestralidade africana, natureza e cultura” (Machado, p. 258, 2016)

 

O BAOBÁ é vida! 

Mas o elo dessa vida tentaram quebrar. As populações negras escravizadas ao longo da nossa história, ao desembarcarem  nos portos onde chegavam os navios negreiros, todos eram separados de seus entes queridos, como estratégia de dominação. Ficar distante dos vínculos familiares e daqueles que falavam a mesma língua, evitava uma possível rebelião. E antes de atravessar o oceano Atlântico, os escravizados eram obrigados a realizar uma espécie de ritual em torno de uma árvore chamada Baobá. Quando os portugueses chegaram ao continente africano, eles se aproximaram dos nativos e perceberam que havia uma dimensão sagrada e ancestral em torno dessa árvore.

Considerada por muitos, como uma espécie de árvore da vida, a identidade social africana de alguns povos é interpretada pela ideia de que as raízes do Baobá representam os ancestrais e as memórias da comunidade, enquanto o tronco, seriam as crianças e os jovens em crescimento. Estes, por sua vez, devem estar enraizados nessa camada profunda, densa e profícua da terra, para sobreviver às variações do tempo e seguir em direção ao ápice de suas vidas. Os galhos significam o amadurecimento e quando as folhas caem, retornando ao solo para alimentar as raízes, dão continuidade a um novo ciclo de recomeço. Sendo predominante nas regiões semiáridas de Madagascar, o Baobá carrega simbolicamente uma outra visão de ser humano, que se constitui a partir do nós, ao invés do eu, como no ocidente.                    

Enraizar-se, na cultura africana, é um direito fundamental do ser humano e a negação desse direito apresenta consequências graves para a vida em sociedade. Ao redor dessa árvore considerada sagrada, a comunidade se reúne para compartilhar conhecimentos que constituem a base de uma coletividade. O valor que é dado às memórias é tão grande que envelhecer significa honrar e ser honrado por esses tesouros que permanecem escondidos e registrados dentro de cada um de nós.                                   

A história conta que toda vez que as africanas e os africanos iam embarcar no navio negreiro, para serem escravizados no Brasil, eles eram obrigados a realizar um ritual de desenraizamento em torno dessa árvore. As prisioneiras e prisioneiros que eram crianças, jovens e adultos, caminhavam longas distâncias a pé durante a noite, para que a escuridão os impedisse de encontrar o caminho de volta, caso tentassem fugir. Quando chegavam ao forte, ficavam acorrentados até que fosse realizado um leilão para saber quem seria o comprador daquelas pessoas. E antes de embarcarem, eram obrigados a dar voltas em torno do Baobá, forçados a deixar aquela terra natal e toda sua história. A ordem era para que as mulheres dessem sete voltas e os homens nove. Ao destituir esses povos de seus vínculos e memória, esse rito garantia a submissão dos mesmos, pois renegar os ancestrais ao redor daquela árvore, significava perder todo referencial de pertencimento para tornar-se objeto na mão de alguém. Por causa disso, o Baobá passou a ser chamado também de árvore do esquecimento.

O apagamento da história africana em todo mundo, é tão cruel e voraz que o único jeito de se religar com suas origens e essências, é buscando elementos que nos façam sentir fortalecidos. E o baobá é um deles. Reconhecer sua história e importância ancestral, é saber que tudo tem seu tempo, e tudo há um tempo. Para chegar a um altura de 30 metros, com quase 11 metros de diâmetro dos troncos, conseguir dar frutos e folhagens medicinais, ou  até ser resistente ao fogo, sendo um grande reservatório natural de água, com capacidade para armazenar até 120 mil litros durante os períodos de chuva, o Baobá precisa de tempo, de oito a dez anos, para durar mais de mil anos. E assim somos nós, povo da diáspora africana: resistentes, com raízes profundas e potentes, cheios de histórias e exemplos. A africanidade está em nós!